Aprendemos algo com a Pandemia?

por Adriano Freitas

Costumo dizer que somos capazes de aprender em todas as situações. Por pior que algo pareça, conseguimos extrair novos aprendizados. Muito além de podermos pensar e tirar conclusões sobre as situações, nossos mecanismos cerebrais são capazes de extrair sensações e aprendizados que muitas vezes nem percebemos (ligados ao que fazemos para superar os problemas). Seria muito bacana se não fosse por um detalhe: PRECISAMOS QUERER APRENDER! E aí está o grande problema de nossa sociedade! Reconhecer que não sabemos tudo, que existem pessoas mais competentes do que nós para atuar em certas ocasiões, ter que sair de nossa zona de conforto para aprender mais, reavaliar o que já pensamos sobre um assunto para que se contemple as novas conclusões não é tão simples quanto parece! Devemos ter foco no que queremos, humildade para reconhecer nossas deficiências em detrimento das necessidades de nosso ego, empatia para analisar o todo e não apenas olhar para nosso umbigo, NÃO SERMOS EGOÍSTAS.

"O ser humano é uma raça que não deu certo" é algo que quem me conhece sabe bem que costumo dizer. Justamente por termos uma característica bem forte e que já nascemos com ela: Somos por natureza seres EGOÍSTAS. Coloco aqui o EGOÍSMO com significado mais amplo do que normalmente temos em mente: EGOÍSMO tem origem do Latim EGO, que significa "eu" mais o sufixo –ismo, também do Latim –ismus, do Grego ismos, que em geral é um formador de nomes de ação, que pode ser interpretado como sendo o seguir uma doutrina ou religião, no caso a si mesmo. Então, além do uso normal que demos a essa palavra, de uma pessoa que quer tudo pra si, temos também incluído algo mais profundo: aqueles que seguem suas IDEIAS, PENSAMENTOS e OPINIÕES como sendo predominantes em relação aos demais. As neurociências, área que eu estudo, já, cientificamente, afirma essa natureza egoísta do ser humano. Talvez isso tenha ocorrido para permitir que nossa raça sobrevivesse às grandes intempéries pelas quais passou em sua evolução. Um instinto de sobrevivência muito forte, um querer preservar a própria integridade custe o que custar. Com isso carregamos essa característica até os dias de hoje, sem nos movermos como espécie para controlá-la ou adequá-la aos novos tempos, muito pelo contrário.

Esse egoísmo nato se fez mais forte e presente com o advento da tecnologia, através da qual é possível interagir com outras pessoas nas sombra e à distância, sem o risco de levar um soco, por exemplo. Se juntou a esse egoísmo uma outra característica humana, o "viés cognitivo de confirmação", que faz com que as pessoas busquem a todo custo fatos, notícias ou suposições, mesmo de fontes não confiáveis e falsas, que confirmem suas ideias e não o contrário, adequem seus pensamentos ao que de concreto ocorre. Essas duas características humanas se juntaram e retroalimentaram em nossa geração, claramente percebidas em redes sociais e principalmente no tocante à política. Justamente por terem o viés de confirmação ressaltado atrelado ao egoísmo, vemos por parte de certos grupos todo tipo de ataques, notícias falsas ou distorcidas e desculpas para justificar coisas que à luz do conhecimento verdadeiro, da ciência, seriam injustificáveis. Tudo pelo simples fato de querer confirmar suas convicções custe o que custar, fazer o que pensam sobre determinados assuntos se tornar verdade a todo custo. Quando nenhuma desculpa é capaz de sustentar o que dizem, se refugiam na famosa "liberdade de opinião" ou "liberdade de expressão"!

Ahhhh liberdade de opinião... Esse é um capítulo a parte em nossa geração! Nesta busca por confirmar de qualquer maneira o que pensam, distorcem inclusive o que é essa liberdade e ignoram seus limites. Temos que ter em mente que a liberdade que se tem de falar o que se pensa, não dá o direito de falar o que se quer, pelo simples fato de vivermos em sociedade! Nosso direito acaba quando inicia o do outro! Assim, falar mal de uma pessoa, inventar mentiras sobre ela não é liberdade de expressão! Não é opinião! É difamação, calúnia ou mesmo, dependendo do caso, ameaça. Não podemos afirmar que uma pessoa é desonesta sem que realmente seja, com provas. Julgar publicamente a honestidade de alguém não é uma questão de opinião! Mesmo com relação ao que não afeta diretamente os outros, nossa liberdade de expressão e opinião possui limites claros que são insistentemente ignorados por aqueles que querem impor sua vontade: FATOS SÃO FATOS, EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS SÃO EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS, não são questão de opinião! O fato de eu ter a opinião que a água é sólida ou a terra é plana não as torna assim. A água é líquida independente de minha opinião. Ao espalhar em uma escola ou outro local o contrário, não estou dando uma opinião, mas distorcendo um fato e MENTINDO!

O interessante nisso tudo é temos uma regra bem interessante e que nos faz entender muita coisa: Nossa capacidade de controlar nossos instintos EGOÍSTAS e nosso VIÉS DE CONFIRMAÇÃO é proporcional e nosso nível de estudo, conhecimento (de fontes seguras) e embasamento técnico/científico. Como vocês podem imaginar, isso explica muita coisa: Primeiro que muitos "médicos" e "pesquisadores" que defendem coisas absurdas ou fazem isso por uma mera questão de corrupção (benefícios pessoais e financeiros), o que demonstra um forte viés egoísta, pois colocam seu bem-estar acima de vidas alheias, ou... NÃO SÃO BONS E COMPETENTES NAQUILO QUE FAZEM, ou seja, apesar de se apresentarem publicamente como bons profissionais, no fundo possuem conhecimentos rasos e estudos feitos sabe-se lá como, ou seja, seja por um motivo ou por outro, não deveriam ser pessoas habilitadas a tomar decisões em nome de todo um povo! Essa mesma regra nos faz tirar outras conclusões, como o fato da educação em nosso país não ser uma prioridade. Pois é interessante que a massa da população não tenha acesso a estudo de qualidade e consequentemente não seja capaz de analisar imparcialmente as informações, assim como se torna de fato uma massa de manobra, ressaltando seus instintos egoístas e vieses de confirmação para defender aqueles que acreditam, como torcedores de times de futebol. A maioria não por mau-caratismo, mas pelo simples fato de não terem tido o estudo necessário. A falta de investimento em educação (de qualidade) na verdade é um projeto, um plano de governo!

Aqui podemos dividir a população grosseiramente em quatro grupos:

 

AQUELES QUE TIVERAM ACESSO A UMA BOA ESTRUTURA EDUCACIONAL PORÉM SÃO MAUS-CARACTERES: Esses utilizam seus conhecimentos e seu egoísmo para intencionalmente influenciar outras pessoas com menor nível cultural a difundirem suas mentiras e com isso beneficiá-los.

AQUELES QUE TIVERAM ACESSO A UMA BOA ESTRUTURA EDUCACIONAL PORÉM SÃO BONS CARACTERES: Esse grupo, geralmente minoria, consegue controlar seus instintos egoístas e pensar no todo, na sociedade. Influenciar e levar o conhecimento a outras pessoas, normalmente não apenas impondo ideias, mas incentivando a leitura e a educação, pois sabem que isso é um diferencial. Buscam racionalizar, serem imparciais, pensar sobre as coisas e tirar suas conclusões, corroborando ou não seus pensamentos.

AQUELES QUE NÃO TIVERAM UMA BOA ESTRUTURA EDUCACIONAL E SÃO INFLUENCIADOS PARA O MAL: São aqueles que, por diversos motivos, não conseguiram atingir um nível de informação e educação comparável aos demais e junto a isso são acomodados. Não são "mentes inquietas em busca de conhecimento". Isso faz com que sejam cooptados a defender os manipuladores (maus caracteres), repetindo suas mentiras sem que tenham senso crítico sobre as mesmas. É neste grupo principalmente que os instintos egoístas e o viés de confirmação vencem. Eles se tornam torcedores de um time, e não mais seres pensantes.

AQUELES QUE NÃO TIVERAM UMA BOA ESTRUTURA EDUCACIONAL MAS TÊM O QUERER: Esse é um grupo bem pequeno em relação ao anterior, mas é o que ainda mantém vivo um resquício de esperança na humanidade. São pessoas que apesar de sujeitas a tudo de ruim, ainda resistem, insistem em ter seu senso crítico e buscar o conhecimento. São aquelas pessoas que mesmo tendo que trabalhar de sol a sol usam o tempo no transporte público para ler algo, mesmo que emprestado. São aqueles questionadores e que buscam ser justos e altruístas, pensar no coletivo.

 

Penso que vocês conseguem identificar claramente esses grupos, assim como eu. E aí eu retomo ao ponto de partida deste texto: O QUERER. Querer uma sociedade melhor, querer paz, querer união, querer que todos possam ser felizes e terem tranquilidade em sua sobrevivência apesar de parecer utopia em nosso mundo moderno, seria até fácil se de fato QUISÉSSEMOS isso. Bastaria partir do princípio: da educação, do conhecimento, do senso crítico, do pensar. Entender que se todos ao nosso redor estivessem em boa situação, nós também estaríamos (com índice de violência menor, etc.). Entender até que ponto estamos sendo usados para benefício pessoal de um pequeno grupo apenas e não deixar que isso ocorra.

Depois de tudo que observei durante essa pandemia que enfrentamos, tenho a clara sensação de que, enquanto raça, NÃO APRENDEMOS NADA! O que ocorreu é que apenas reforçamos nossas posições: Os manipulados se tornaram ainda mais manipulados, os manipuladores maus-caracteres ainda mais manipuladores e os seres pensantes ainda mais críticos e ponderados, acumulando ainda mais conhecimento!

Se acredito que os humanos ainda podem mudar? Tecnicamente sim, mas como dependemos DO QUERER e da VONTADE DE CADA UM para lutar contra seus instintos egoístas, infelizmente acho que temos pouca chance... Enquanto isso não acontece, defendo veementemente aqueles animais ditos "irracionais", visto que não possuem essa característica tão marcante em nós: O EGOÍSMO, o que me faz, pelo menos por enquanto, afirmar que de fato SOMOS UMA RAÇA QUE NÃO DEU CERTO!

 

Adriano Freitas é formado em Sistemas de Informação com
duas pós graduações em áreas ligadas às Neurociências,
programa de estudo completo em Harvard e é servidor efetivo da
Universidade Federal Fluminense



 

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